A coragem de dizer não

Quando uma criança diz não, talvez seja para garantir o sim de um sonho enorme. E eu aprendi que preciso confiar nisso.

Flavia Cabral

11/3/20255 min read

Nico, de cinza, no treino do Mirim de basquete, o sub-12 de Atibaia

Os dois esportes que, agora, ele pratica: a grande paixão, o beisebol, e o que ele está aprendendo a amar

O beisebol é como matemática: estratégico, calculado, milimétrico. É um esporte em que é possível pensar em um milhão de possibilidades enquanto se espera uma bola na defesa, ou dominar o ritmo do jogo quando se arremessa. Dá para estudar o adversário, entender o tempo da bola, antecipar o movimento como rebatedor. É exato, frio, estatístico.

O basquete é como português: fluido, imprevisível, instintivo. Ele precisa sentir, reagir, se adaptar, tentar de novo. Tudo no calor do momento, sem tempo para parar e pensar — só sentir e agir. É rápido, ágil, modular.

Ele encontrou dificuldade. Me deu uma vontade enorme de pegá-lo, enfiá-lo numa caixinha e dizer: "você não volta mais aqui." Mas eu preciso entender que é dele a decisão de continuar errando e tentando se adaptar ao processo. Um processo que é lento, como foi o beisebol. Só que na época, ele era pequeno como os outros e eu não sabia o quanto ele é bom. Agora eu sei, mas eu preciso deixá-lo viver esse novo começo sem colocar minhas expectativas acima do que ele é.

Talvez seja exatamente isso que torna o basquete tão valioso na vida dele. Ele ensina Nico a pensar de outro jeito, mais instintivo, rápido e menos calculado. Desenvolve uma nova agilidade, resiliência, criatividade e, principalmente, coragem. É preciso muita coragem e humildade pra enfrentar algo tão diferente e continuar tentando, mesmo quando se erra múltiplas vezes seguidas — especialmente quando se está acostumado a acertar.

Mas aí, sei lá, algo aconteceu.

O amistoso do sub13 já vai começar e ele está pronto.

E eu me senti estranha. Vinha um sentimento ruim toda vez que via aquela bola laranja escapar, uma trombada acontecer ou a cesta não entrar. Comecei a refletir sobre o porquê daquilo me afetar tanto.

Não sou competitiva, mas me incomoda ver o Nico não ir bem. Ainda mais porque estou acostumada com a performance que ele tem na escola, no xadrez, no inglês… E principalmente no beisebol, em que representa a cidade como titular na defesa, rebatedor e arremessador de abertura do sub-10, e reserva do sub-12.

Pela primeira vez em muito tempo, estava vendo meu filho vulnerável. Falhando. Ficando por último na fila, sendo escolhido depois. Isso doeu. Não porque ele não tem talento — ele sempre teve. Nem porque não sabe se dedicar — ele sempre se dedicou. Mas porque, no basquete, tudo é novo.

Era perceptível que, naquela quadra, ele ainda não se sentia seguro. Diferente do campo de beisebol, ela parecia gigantesca. E o Nico, pequeno demais para acertar as cestas. Deu para perceber, em um só treino, que ele estava totalmente fora da zona de conforto.

Na semana passada, o Nico chegou do treino com meu pai e disse:

— Mãe, o treinador de basquete me chamou pra ficar no treinamento. Ele queria saber se você deixa.

O tal "treinamento" adiciona uma hora a mais aos treinos regulares, que são duas vezes por semana. Esse tempo visa, pelo que eu entendi, aprimorar os meninos que vão jogar pelo time da cidade. É uma pequena peneira para o sub-12.

Fiquei surpresa. Como ele tinha sido selecionado, se há poucos meses parecia tão deslocado naquela quadra? Pensei que talvez fosse o porte físico, a altura… Eu, que não sabia exatamente os critérios, fui conferir e tentar entender o que estava acontecendo.

E eu vi.

Vi um Nico diferente — rápido, ágil, dentro do jogo. Ainda errando, mas completamente transformado. Corria, pegava a bola, entendia as jogadas e fazia passes firmes e seguros. E acertava a cesta, na tabelinha. Não sei o que aconteceu entre um treino e outro. E me dei conta que talvez ele também seja bom ali, de um jeito que eu ainda não tinha percebido.

Quando saímos, perguntei:

— Você quer ir no treinamento do basquete? Eu posso falar com o professor. Mas aí você vai precisar treinar beisebol um pouco menos, porque senão vai sobrecarregar seu corpo e sua rotina com dois esportes de alta performance.

Ele, sereno, respondeu:

— Não, mãe. Já falei pro treinador que minha prioridade é o beisebol. Eu não vou parar. Eu gosto demais. Se não tivesse beisebol, eu até iria — ficaria feliz, porque também gosto do basquete. Mas eu tenho o beisebol e sei o que eu quero.

A maturidade dele me desmontou.

Me perguntei se essa escolha, tão cedo, não o faria perder uma oportunidade de ouro. Talvez sim. Mas talvez o brilhantismo esteja justamente aí. De novo, ele estava escolhendo o beisebol.

Mas, dessa vez, ele não quer abandonar o basquete. Continua tentando, errando, aprendendo — no ritmo dele, dentro dos limites que ele mesmo definiu.

Talvez, até os 12 anos (quando o basquete fica mais sério), essas escolhas ainda mudem. Mas, de alguma forma, ele já entende algo que eu ainda aprendo: nem toda oportunidade precisa ser aproveitada. E talvez, ser atleta seja também isso.

No fim, o basquete é um treino pra ele e pra mim. Um treino de paciência, de escolhas, de crescimento silencioso. E, principalmente, um treino de desapego: perceber que a coragem dele em dizer "não" para uma oportunidade pode ser o maior "sim" que dará ao próprio sonho.

Nico, aquecendo para entrar no pitcher na semi-final do último campeonato do Pré-infantil

Há uns dois meses, fui ver um treino do meu filho no esporte que ele decidiu aprender: o basquete.

Geralmente, fico fora, trabalhando enquanto espero o treino acabar. Na maioria das vezes, quem o leva é meu pai. Para ser sincera, não fazia ideia de como as coisas estavam indo desde agosto, quando começou. Então fui conferir e marcar presença para dar aquele recado silencioso de que aquela criança está sendo acompanhada de perto por adultos responsáveis.

E, bom… ele realmente está em processo de aprendizado.

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