A Geração Que a Pandemia Quase Apagou do Campo

E como os "estagiários", atletas de 2015, estão sendo fundamentais para a reconstrução da categoria de 2013/14 no beisebol.

Flavia Cabral

11/17/20255 min read

Nico com os jogadores da categoria acima, o Infantil, , na fila, começando um dos jogos dos 4 campeonatos que já jogou esse ano

O time do Pré-Infantil em 2023, formado por 3 atletas de 2013, 3 de 2014 e 4 de 2015

O apelo foi feito a vários pais, mas alguns ficaram com medo. "Ele é muito novo; vai perder a infância; o jogo vai ficar sério demais." Eu até pensava igual. Mas eu sou coração mole com histórias de sonho interrompido, ainda mais se forem de crianças, e eu acabei cedendo. Nós e mais quatro casais dissemos sim. E o time foi formado.

Não foi sobre "acelerar" nossos filhos, como muitos acham. Mas sobre sustentar essas crianças que quase não tiveram chance de existir no campo. Então, lá foram eles, os quatro meninos (Nico, Vini, Bernardo e Yago) jogar onde pareciam não caber, sob a brincadeira: "Lá vai o T-bolzinho." Isso foi em 2023. Hoje continuam — agora maiores, mas ainda estagiários na categoria acima.

O papel deles é esse mesmo: não estão lá como protagonistas, são menores e revezam no banco, mas são a ponte da reconstrução. Enfrentam braços mais ágeis e fortes, levam a dor de um encontrão por estarem em desvantagem física, mas garantem que o time se forme completo. Eles dão a chance dos meninos de 2013/14 continuarem perseguindo o sonho de jogar beisebol, sem um ano de hiato.

E o mais curioso é: as crianças nem sabem que fazem isso. Nenhuma delas. E talvez nunca saibam.

Quando não fica no banco, Nico joga de primeira base nessa categoria. Por serem novos e ainda não poder usar bola de couro, os 2015 não podem arremessar. O pré-infantil ainda joga com bola de borracha e o jogo é menos dinâmico com regras um pouco diferentes.

A geração das crianças que nasceram em 2013/14 foi uma das mais afetadas pelo lockdown, quando se fala de desenvolvimento esportivo.

No beisebol, as categorias são formadas em ciclos de dois anos e as crianças sobem no ano em que completam a idade. Primeiro vem o T-ball (até 8 anos), depois o Pré-Infantil (9 e 10) , então, o Infantil (11 e 12) e assim segue. Os nascidos em 2013/14 deveriam chegar ao Pré-Infantil em 2023 com um time completo — mas não chegaram. A pandemia tirou todo mundo do campo justamente nos anos em que eles fariam essa transição e se apaixonariam pelo jogo. E quando tudo acabou, muitos voltaram aos campos — mas os 2013/14 não. Em quase todos os clubes, essa categoria ficou pequena demais para completar sozinha um time.

Eu achava que era só coisa do beisebol. Mas não é. Recentemente, pesquisando sobre o assunto, descobri que praticamente todos os esportes juvenis registraram essa mesma lacuna: essa geração simplesmente não tem o volume de atletas e o ritmo esperado. Ela perdeu o timing, deixou de desenvolver habilidades motoras e sociais essenciais, como a leitura de jogo, e estava menos desenvolvidas que as gerações anteriores. É um fenômeno mundial de descompasso na formação.

Meu filho é de 2015 e chegou ao beisebol no finalzinho de 2022, na reabertura. Essa “nova” geração chegou forte, vacinada e animada. E com motivo: após tanto tempo trancados em casa, era possível ver os efeitos da falta de socialização nas crianças e muitos pais procuravam alternativas para tirar seus filhos da tela e do sofá. Nesse contexto, o esporte coletivo foi o remédio. Todo dia, um novo menino de 6 ou 7 anos chegava para brincar.

A brincadeira se alastrou, o beisebol foi ficando mais popular, os projetos se intensificaram e os meninos vieram aos montes. Hoje o Pré-Infantil (2015/16), em vários clubes, tem dois ou três times completos. E continua crescendo em lugares que o beisebol não existia ou estava adormecido - Piracicaba, São José, Nordeste…

Uma das soluções, na época, veio instintivamente. Os meninos que estavam chegando e eram um pouco maiores ou tinham mais destreza ajudariam a categoria acima que estava indo para o pré.. Poderia não ser a solução completa, mas mitigava o problema imediato.

Os técnicos vieram pessoalmente nos explicar por que queriam que Nico e outros subissem antes. Eles precisavam de, pelo menos, nove jogadores para completar um time de beisebol - o ideal, na verdade, é um pouco mais para que, se acontecer algo, existam reservas. Mas eles só tinham cinco. E, se fosse só isso, a categoria iria acabar em Atibaia, como acabou em alguns clubes clássicos, como Bastos e Marília.

Nico, mesmo enfrentando o cansaço, a dualidade de maturidade, um jogo mais rápido, erros e a saudade do seu próprio time, sempre diz que quer jogar lá. O jogo fica mais divertido, mais difícil — vira MLB de verdade: regras completas, bola de couro e aquele som seco e limpo no contato, trimmmm, que arrepia. Lá ele sente o jogo que sonha jogar.

E assim, imaginando-se como os astros que tanto admiram, eles mantêm um time inteiro vivo e, de quebra, aprendem e evoluem do jeito que só acontece jogando de verdade. Por isso, sempre que o chamam, continuamos deixando ele jogar com a categoria acima, até quando o próprio Nico quiser ajudar.

Não desistam, 2013/14. Estamos aqui para apoiar vocês, sempre que vocês precisarem. Para cima, Atibaia!

O Atibaia Infantil, com 7 atletas de 2013 , 2 de 2014 e 3 "estagiários" de 2015 (Nico, Vitinho e Paulinho)

A gente brinca que os meninos do Pré-infantil (2015) são os são "os estagiários" quando jogam no Infantil (2013/2014). A piada nasceu de uma amiga próxima e virou motivo de risos na arquibancada. Mas, no fundo, ela esconde um buraco quase traumático e a vontade de alimentar um sonho que foi pausado.

Nota: O último campeonato da Categoria Infantil de 2025 acontecerá no Nikkey Anhanguera nos dias 21, 22 e 23 de novembro. Nico e os outros meninos do Pré estarão lá, como estagiários, para finalizar esse ciclo antes de serem efetivados oficialmente no ano que vem. Venha torcer pelo Atibaia e apoiar essa linda história!

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