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As bases improvisadas no quintal viraram os alicerces de um sonho
Como um galinho, uma brincadeira improvisada e a busca por manter uma criança no esporte deram origem a um sonho que segue crescendo
Flavia Cabral
9/1/20256 min read


A pintangueira do nosso jardim durante a pandemia
Quando o Nico era pequeno, ele era fascinado por O Galinho Chicken Little. Assistia ao filme sem parar, daquele jeito intenso que só as crianças têm. Na história, o Galinho faz amizade com ETs e, por algum motivo, joga beisebol. Um completo non-sense — mas que marcou a infância dele por muito tempo.
Nico sempre teve desses hiperfocos: Hot Wheels, bolas dos mais diversos esportes, Pokémon, robótica, astronomia e supernovas, pedras e elementos químicos extra-terrestres… Ele mergulha em algo até esgotar o assunto nos outros, mas nunca para ele, porque guarda os conhecimentos e as coleções adquiridas. Esse filme entrou para a lista e era todo dia no repeat.
Naquela época, eu trabalhava na IBM e viajava bastante. Meu passaporte era cheio de carimbos (EUA, México, Canadá, Rússia), mas eu passava muito tempo longe da família. Para compensar, eu trazia alguma lembrança. Nico, mesmo muito novo, já demonstrava sua predileção: gostava de tudo que envolvesse bola e coletividade. Passava tardes chutando, arremessando, sacando as diferentes bolas que pedia de presente. Eu estimulava, já que tinha lido algum estudo sobre a importância de apresentar diferentes modalidades esportivas. Além disso, queríamos ampliar o repertório dele e mostrar que existe muita coisa além do futebol.
Em 2019, em uma viagem aos EUA, acabei comprando um kit de beisebol — unindo as duas paixões dele: o filme e os esportes coletivos com bola. Lembro até hoje de pegar o kit na prateleira do Walmart. Eram tantas opções que pedi ajuda a um vendedor, que me mostrou alguns modelos para crianças de quatro anos. Peguei um taco da Rawlings Alloy -11 Tee Ball e um kit Starter da Franklin com luva e bolinha de espuma, que foi destruída pelo cachorro no mesmo dia em que dei o presente. Escolhi mais pelas cores azul e vermelho, as favoritas do Nico na época (e, ironicamente, as mesmas do uniforme que ele veste hoje), do que pela qualidade.
Por um tempo, aquilo ficou encostado. As bolas de futebol e basquete pareciam mais divertidas. Às vezes ele pegava o taco, corria atrás do cachorro, mas nada demais. Até que veio a pandemia. Foi preciso criatividade para atravessar um período tão difícil com crianças dentro de casa. O kit virou distração no quintal, entre tantas invenções para mantê-lo longe das telas.
Eu não sabia jogar, mas já tinha visto filmes o suficiente para improvisar: eu lançava a bolinha de tênis, ele tentava rebater e corria. Ou o pai rebatia e ele precisava pegar com a luva. Narrávamos cada jogada para dar a ele a glória que sempre buscou no esporte: “lá vai ele, passa pela primeira, pela segunda, é um HOME RUN!”. Ele vibrava a cada acerto. Corria até a pitangueira, tocava no banco de tronco, encostava na moita de olho-de-gato e pisava com tudo na tampa de concreto do poço, o nosso home plate. Comemorava como faz até hoje, e eu ria demais das rebatidas desajeitadas que, mesmo tortas, o faziam feliz.
Brincávamos de tudo: acampamento, caça ao tesouro, Red Bull Cliff Diving. Mas o beisebol foi crescendo ao longo do lockdown. Não sei bem o porquê, só sei que virou nosso refúgio. Risadas, narrações épicas, correria pelo quintal, um passatempo que nos salvou do tédio e dos excessos de tela. Meu olho ainda enche de lágrimas ao lembrar de tudo isso.
O atletismo, pós-pandemia, lotado por ser um dos únicos esportes que tinha autorização para voltar
Quando começamos a voltar ao normal, procuramos um esporte para ele. Nico havia ganhado muito peso e estava com pré-diabetes. Queríamos mantê-lo ativo e era imprescindível que ele voltasse a fazer algo mais estruturado.
Aqui em Atibaia, temos o privilégio de ter uma série de aulas cedidas pela prefeitura. A lista é um PDF imenso, com dias, horários e idades de cada uma das modalidades oferecidas gratuitamente. Me debrucei sobre o arquivo na busca por algo que ajudasse meu filho a reverter o quadro pandêmico. Como ainda era o início da reabertura, pouca coisa havia voltado, mais as que se praticavam em espaços abertos e com menor contato físico. Spoiler: foram dois anos de busca até achar algo que fizesse Nico vibrar.
Tentamos ginástica artística e atletismo, mas ele achou monótonos. Depois veio o BMX, que parecia promissor. Ele adorava e tinha jeito, até a primeira queda séria, 8 meses depois (mais assustadora para mim do que para ele). O judô foi um sucesso. Ele era muito, muito bom. Com seis anos, ganhava de meninos de dez anos muito fácil e passou a frequentar as aulas mais avançadas. Mas a luta maior era tirá-lo do futebol ou basquete para ir ao treino. Ficou um ano, pegou a faixa cinza e pediu para parar.


Meu judoca, vencendo em menos de um minuto o oponente por Ippon
Também fez natação por dois anos, sem gosto nenhum. Depois de muita insistência, desisti dessa batalha. Assim que aprendeu a nadar o suficientemente bem para não se afogar, deixei-o sair. Tentamos equitação, mas ele preferia correr atrás das galinhas. Por fim, cedemos ao futebol, ao que ele amava, mas quem não gostou fomos nós. Acho que chegou a fazer uns 6 meses de aula.
Nessa mesma época, procurei também algo para mim. Achei uma academia de crossfit com ótimo preço e localização. O dono era técnico de beisebol. Ele via o Nico comigo e sempre insistia: “leva ele para treinar beisebol, ele vai gostar”. Falava comigo, com meu marido, com o próprio Nico. Eu me encolhia só de pensar na rotina: sábado e domingo, das 8h ao meio-dia. Mas Nico queria, pedia quase todos os dias. Dizia que estava pronto, que tinha taco, luva e queria tentar. Até colegas de classe que jogavam o chamavam, já que ele, interessado, puxava assunto para saber como era.
Depois de quase um ano de insistência (e por estarmos quase sem opções, afinal, o basquete, o handebol e o vôlei eram só a partir dos 9 anos), levei. Era um domingo de sol de junho de 2022. Fomos a família inteira para ver como seria essa nova experiência.
Quando pegou o taco e rebateu pela primeira vez, vi os olhos dele brilharem. Era só no T, mas já mostrava algo diferente que eu ainda não tinha visto. E entendi que a busca tinha acabado. Era aquilo que ele queria fazer.
Talvez o amor dele pelo beisebol tenha nascido ali, ou talvez lá atrás, no quintal, entre rebatidas tortas e a tampa do poço. O que começou como brincadeira inspirada em um filme virou porto seguro em tempos difíceis e, depois, um caminho real.
Hoje, quando o vejo em campo, com esse mesmo brilho e intensidade, ainda escuto a narração daquelas tardes no quintal. Sem perceber, estávamos plantando algo maior do que uma distração. Estávamos ajudando a encontrar um amor por um esporte raro no Brasil e, acima de tudo, a vencer a pré-diabetes e deixar o quadro de obesidade infantil.
E o “batinha”, como chamamos o taco do Walmart, agora ocupa as mãos da Olívia, sua irmã de quatro anos. Ela é apaixonada por ginástica artística, mas, quando resolve brincar, ainda desajeitada, segue aos poucos os passos de uma história que Nico começou a escrever. O beisebol entrou no quintal por acaso, mas virou parte da nossa história como família. Nunca saberemos de fato o que foi que deu início ao sonho; o galinho, as brincadeiras no quintal, o primeiro treino. Mas sabemos que ele encontrou o beisebol… Ou será que foi o beisebol que o encontrou?




Nico sendo apresentado para os colegas pelos senseis em seu primeiro dia de treino


Nico, na altura dos seus 10 anos — 3 desses jogando beisebol
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