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Como transformar o medo em confiança
Às vezes, basta uma única rebatida para acender a chama mais importante que uma criança pode carregar: a autoconfiança
Flavia Cabral
10/2/20255 min read


Nosso Miguelzinho, no Bat box, carregando uma rebatida
No final de semana, o palco foi o III Torneio da Cidade de São Paulo de Beisebol, na nossa categoria Pré-infantil. Estivemos lá, vibrando no sábado e no domingo. Uma derrota precoce para os Gigantes nos jogou para a Chave Prata. E fez com que, no domingo, jogássemos contra o Gecebs.
Na beira do campo, uma cena de cortar o coração: Miguelzinho, nosso talentoso catcher e segunda base de 2016, estava sentado no chão, encostado no banco, o rosto inundado de lágrimas. Era a vez dele na fila dos nove batedores que formam o line-up. E ele estava aflito:
— Justo na minha vez de rebater, Jeremias que está jogando.
Jeremias Aires, de 2015, é um dos arremessadores promissores da categoria. Menino de raízes venezuelanas e coração brasileiro, dono de bolas rápidas e potentes, foi a sensação que brilhou nos olhos dos técnicos da Seleção Brasileira Sub-10. E a gente sabe: diante da fama dele, é quase impossível não tremer.
— Eu não vou acertar… eu não consigo — repetia Miguel, choramingando. — A bola dele é muito forte, muito rápida.
A confiança nem sempre aparece de imediato. Às vezes, alguém precisa nos lembrar que ela já está ali, escondida. Foi isso que fizemos: eu, a mãe dele, e o sensei. Trouxemos à tona as memórias de Miguel treinando sem descanso, muito além do esperado para a idade. Lembramos das vezes em que encarou e rebateu bolas rápidas nos treinos e nos jogos. Do quanto já havia desafiado arremessos dos senseis, dos colegas, até da máquina.
E eu insisti em um detalhe: Jeremias também é só uma criança de 10 anos. Muito talentosa, sem dúvida. Mas ainda assim, apenas uma criança jogando beisebol como qualquer um deles.
— Miguel, você vai entrar no Bat Box acreditando que consegue rebater aquela bola. Eu sei que você consegue.
E tinha mais: Nico já estava nas bases, depois de uma rebatida na primeira bola de Jeremias, e tinha mostrado que era possível.
Miguel enxugou as lágrimas, levantou e entrou. Segurou o taco com a firmeza que as tantas repetições lhe deram. Primeiro um strike, depois um ball. E nós gritamos:
— Confia, você consegue! Traz o Nico de volta.
E ele confiou. O taco girou. Paaaaa! A bola voou lá pro fundo. Miguel correu, Nico marcou a corrida e as lágrimas ficaram para trás. Meus olhos cruzaram com os dele, ainda cambaleando para ficar de pé na segunda base com um sorriso imenso no rosto. Naquele olhar eu vi a chama da autoconfiança.
Quantas vezes já presenciei cenas assim? Como anotadora, como mãe na arquibancada. Até com o Nico.
Recentemente, ele também atravessou dois meses difíceis quando soube da seletiva para a seleção brasileira. De repente, o bastão já não respondia como antes. O olhar ficava vago, a postura encolhida, e os strikeouts se acumulavam na estatística. Era o mesmo menino apaixonado pelo jogo, mas paralisado pelo medo do erro e pelo peso de querer ser escolhido.
Nico, um campeonato antes da seletiva, olhando para o catcher pegando uma bola ruim
Em casa, as conversas eram constantes, uma tentativa de resgatar a confiança:
— Filho, você tem que entrar acreditando que consegue jogar. Que consegue rebater. Porque você consegue. Conseguiu antes e nada mudou.
Mas a verdade é que confiança não nasce apenas das palavras, por mais bem-intencionadas que sejam. Essa força só realmente aparece quando a criança se apropria da certeza de que pode. Parece clichê, mas é isso.
Só tem um caminho que dá essa segurança: as horas acumuladas de prática, os erros, os quase acertos, as lágrimas no banco, as bolas seguidas sem resultado, as rebatidas que sempre encontram uma luva — os out, out, out. (Que esporte ingrato é o beisebol, leitores. Meses de treino para rebater uma única bola e, na maioria das vezes, não dá).
É só assim que se cresce. A progressão é clara. Primeiro, as bolinhas no Tee — aquele bastão que segura a bola. Depois, o sensei passa a lançar por baixo: curtas, longas. Mais adiante, chegam as bolas por cima, as “balão”, as retas, até que, nos treinos, é preciso encarar os próprios arremessadores do time. Um sensei lança facilmente mil bolas em um único treino; um rebatedor recebe 50, 70, às vezes mais. E o saldo, no começo, é apenas uma coleção de tentativas frustradas, swings no vazio, boladas (usem capacete, kids!), rebatidas ruins que sempre encontram uma luva.
Até que, um dia, acontece. Vem a bola — e, finalmente, o bastão encontra o ponto certo. O hit sai limpo. Nenhum defensor alcança. A criança dispara pelas bases e chega salva. Eventualmente, ela completa a volta toda e retorna para o time. Os braços se abrem para recebê-la: pulos, gritos, abraços, batidas no capacete. A celebração do primeiro hit é uma das coisas mais lindas que já vi em campo.
E é aí que tudo começa a mudar. Vem um hit, depois outro, mais um… até que, de repente, aquele menino antes encolhido se transforma. Cresce, ocupa espaço, encara o arremessador com cara de bravo. O taco já não é apenas alumínio — transforma-se em uma espada. E a criança, com o mesmo nome e o mesmo número, já parece outra.


Nico, no campeonato após a seletiva que marcou o retorno como um dos melhores rebatedores do time


Nesse momento, são os arremessadores que passam a temer pela certeza de que levarão corridas. Jogam bolas ruins, deixam o menino ganhar uma base, arriscam um hit by pitch… fazem de tudo para escapar de uma rebatida.
Eu estou vendo isso acontecer com Miguel, eu vi acontecer com o Nico. E sei que vai acontecer com tantas outras crianças. Porque chega o dia em que estar ali no bat box não é só parte de mais um jogo, é acreditar em si. Nesse instante, o que parecia ser só beisebol vira uma das principais lições que podemos aprender: como transformar o medo na mais pura e bela confiança.


Naquele instante, o taco nas mãos do Nico virou a espada da autoconfiança.
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