De frente para o mar

Um lugar ondea alma se refaz e o jogo recomeça

Flavia Cabral

7/29/20254 min read

Ilhabela tem um “sei-lá-o-quê” de diferente. Uma magia que não se explica, apenas se sente. Não é só a beleza exuberante da montanha que abraça a praia, do litoral recortado, do mar turquesa, das cachoeiras que despencam na mata preservada, das praias pequenas e das pedras imponentes e da vida marinha super ativa. Há um cheiro, um ar, um tempo que se move em outra dimensão. E foi lá, sob o privilégio do som das ondas e com os pés na areia quente, que conseguimos analisar tudo com a mesma calma com que as ondas pintam a praia.

Nico Cabral, na Praia das Conchas na bela Ilhabela

Fomos para lá no sábado, logo após o dia que descobrimos que o nome do Nico não estava na lista dos meninos sub-10 que representariam o Brasil no Panamericano de Beisebol. Quando chegamos, ele ainda carregava a tristeza e a frustração, mas também a alegria de estar na praia — lugar que tanto ama. O “não” havia chegado e doía como quando a gente sonha grande e recebe o quase. Ele acreditava que merecia estar na seleção. Treinou, dedicou-se e acreditou de verdade, como muitos que também não passaram. E não estava sozinho: após a notícia, alguns nos relataram surpresa — não sei se por sinceridade ou gentileza.

Eu também aproveitei aqueles dias para refletir, como é da minha natureza. Porque, apesar de sua beleza, o beisebol é um esporte extremamente competitivo. Um jogo de erros e frustrações que expõe falhas desde cedo. Para se ter ideia, a média de acerto de rebatidas de adultos profissionais da MLB é de 30%. Além disso, como em muitos ambientes esportivos competitivos, há comentários e brincadeiras que nem sempre soam leves para quem está crescendo. Pequenas palavras que parecem sem importância, mas que chegam fundo e podem pesar na autoestima das crianças.

Mas Ilhabela foi, aos poucos, desfazendo os nós e trazendo entendimentos. Foram dez dias de praia, sol, areia e conversas, embaladas pelo barulho das ondas que substituiu os ruídos do campo. Não levamos nenhum equipamento de beisebol, estávamos em pausa.

E então ele veio me pedir ajuda: queria ser mais rápido, mais magro — além de forte. Como mãe que treina, fiz o que eu podia: montei treinos de sprints, burpees, agachamentos com saltos, flexões e corridas um pouco mais longas. E fiz com ele, todos os dias.

Flexões, agachamentos, sprints, saltos e corridas todas as manhãs

Juntos, treinamos, corremos e caminhamos por subidas íngremes e distâncias que até um adulto sentiria. E ele foi. Reclamando às vezes, rindo outras. Sempre ao meu lado. Enquanto o corpo suava, o coração se abria. Conversávamos muito sobre o que acontecia nos campos e sobre como ele estava se sentindo. Confesso: não esperava o desempenho que ele mostrou — tanto que já marcamos a trilha que vai até o Bonete (de 4 a 5 horas de caminhada) como nosso próximo desafio.

Entendi que ele precisava dessa pausa. Nós precisávamos desse respiro. Olivia precisava brincar com o irmão. Foi isso que tivemos: tempo para ouvir, acalmar, passear, sentir a força da natureza e simplesmente estarmos todos juntos.

No terceiro ou quarto dia de praia, ele pediu para comprar um frescobol — que pagou com a própria mesada. Não sabíamos exatamente o que ele tinha em mente; achávamos que queria jogar frescobol mesmo. Mas as raquetes improvisaram tacos, os chinelos viraram bases, a família virou jogadores e a areia se transformou em campo. Ali, diante do mar — e dos espectadores curiosos — eu vi o brilho que só o beisebol desperta nos olhos dele. As risadas soltas, os mergulhos inventados, as corridas tortas. Ali, só havia o jogo, a alegria e o amor.

Foi assim que a vontade voltou – ou que descobrimos que, na verdade, nunca tinha ido embora. E que ele realmente merece estar em campo, apesar de tudo. Ele ainda lembra da seletiva, ainda sente o incômodo do “não fui”. Mas já não é um peso que paralisa. Agora é só um lembrete: do quanto ele quer, do quanto ama. E que, mesmo quando o mundo diz não, o jogo continua.

Hoje, os treinos retornam oficialmente. E ele já disse: “E daí que eu não passei na seletiva. Vou lá treinar.” E ele volta. Com sal no cabelo, areia na alma, mar nos olhos. Volta porque redescobriu, correndo e jogando com a gente como fazia no quintal de casa durante a pandemia, que o beisebol é leve e está tão dentro dele. E que, mesmo quando dói, ainda vale a pena jogar.

Porque a alegria não é ser o melhor — é estar em campo, com consistência e paciência para enfrentar as próximas etapas dessa grande jornada que se chama vida.

Imagens que ilustram

Nossas férias, da escola, do trabalho e do beisebol

Mais Crônicas para Mães de Atleta