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O esporte que salvou o esporte
Quando o basquete trouxe de volta algo que meu filho quase esqueceu: a alegria que o fez amar o beisebol.
Flavia Cabral
10/10/20255 min read


A seriedade e o controle dele no montinho são invejável
Não sei muito bem por quê, mas o beisebol no Brasil é extremamente sério e competitivo, mesmo entre crianças de 8 a 10 anos. Até para os meninos que estão começando, a régua é a mesma e as oportunidades, iguais. Todos treinam as mesmas horas, participam dos mesmos campeonatos. É um esporte democraticamente puxado e exigente.
O jogo continuava nele, mas o brilho já não era o mesmo
Conversei com a pediatra, treinadores, psicóloga, especialistas, familiares, amigos e com os professores. Todos diziam o mesmo: ele deve estar exausto. E eu achava isso também — muito treino, pouco sono, uma equação que só podia dar confusão.
No meio desse buscar por uma solução, tiramos férias de 20 dias e, depois, Nico trouxe um pedido inusitado:
— Posso fazer basquete?
Faz dois anos que ele pede para praticar outro esporte além do beisebol. Ele gosta de quase tudo que tem bola e sempre vai bem. Pode não ser o melhor, mas se destaca como aquele menino popular da infância que joga tudo e todo mundo admira. Eu sempre disse não, porque achava a rotina dele pesada e acreditava que o mal humor era por causa disso. Mas, por algum motivo que nem sei explicar, resolvemos deixar ele tentar. Com uma condição:
— Filho, se você for chamado para o time de treinamento, vai ter que escolher um só. Não dá pra levar dois esportes a sério.
E o basquete entrou na vida dele como um respiro. Um espaço de leveza, um lembrete de que o esporte também pode ser brincadeira. Era para ser apenas uma vez por semana, mas logo virou duas de aulas no sub-12. E, uma semana depois que ele chegou, eles selecionaram meninos para o treinamento. Ele veio falar, mas relembrei que a linha já estava traçada: se fosse chamado, eu o orientei a dizer que se sentia lisonjeado, agradecer e recusar. Ele recusaria para continuar brincando de basquete.
Dias depois, ele me disse:
— Mãe, eu sou ruim no basquete. Não vai ser igual ao beisebol. E tem mais: no basquete, a gente sempre é substituído e ninguém fica o jogo inteiro como titular. (Para quem o beisebol é a paixão e o foco principal, ele claramente percebeu alguma diferença que eu ainda não entendi muito bem.)
Foi preciso passar por isso — talvez um instinto de proteção ou um pedido de ajuda de uma criança que se conhece bem — pra lembrarmos do essencial: o esporte também é alegria, movimento leve, riso. O basquete devolveu o prazer do jogo. O treinar para brincar. O riso solto. E, de quebra, melhorou a performance dele no beisebol. Hoje ele corre melhor, está mais forte e, acima de tudo, com o coração leve.


Nico, na saída do treino de basquete


As risadas voltaram aos campos. As brincadeiras de quinta série voltaram a tomar conta do meu filho. O time reaprendeu a brincar de Beisebol Five antes dos treinos, cheio de rolamentos, jogadas erradas, faltas e gargalhadas. E eu sigo pensando no quanto é importante misturar treino e lazer, ainda mais nessa idade. Talvez seja essa mistura que mantém viva a alegria de jogar e o mantenha no esporte.
Depois disso, decidimos nos esforçar para que o Nico tenha tempo com os amigos fora do campo: brincar numa sexta qualquer, ir a um aniversário mesmo chegando depois do campeonato, viajar pra praia. E o mesmo vale pra nossa filha de quatro anos: garantimos que ela participe das festinhas dela, levando o irmão junto, pra que ele também viva um pouco dessas tardes de balões, brigadeiros e risadas.
Também abrimos espaço para as telas, o videogame, o desenho, o filme, qualquer coisa que ele quiser fazer dentro do limite de idade e com supervisão. Quatro, às vezes seis horas nos fins de semana, quando dá. Porque é isso: ele treina tanto, se dedica tanto, que o tempo livre também precisa ser livre de verdade sem planilha, sem meta, sem cobrança.
Aprendemos que é nesse espaço solto que ele se recarrega. Que o sorriso depois de um gol no FIFA ou de uma risada com os amigos também valem como experiência. E talvez até mais, porque mantêm viva a alegria de ser criança mesmo com rotina de atleta. O segredo é que o lazer não é o que sobra na agenda, mas o que a sustenta. E, na do Nico, ele tem obrigação de existir.
Para quem vê de fora, parece loucura. Os treinos se estendem às terças, quartas e quintas na “gaiola” (uma espécie de jaula, com redes por todos os lados para a bola não escapar). Ali, eles praticam rebatidas, defesas e arremessos específicos. No sábado, das oito às quatro, e no domingo, das oito ao meio-dia, o treino é no campo. São drills mais complexos, pegadas de bola mais agressivas, jogadas ensaiadas, arremessos com batedor e o “joguinho” — a parte que eles mais gostam.
É uma rotina que traduz bem a responsabilidade do Nico: pitcher de abertura (quem inicia a partida), quarto rebatedor (cleanup hitter) e um dos jogadores centrais na defesa ( terceira base e shortstop). E ele ainda ajuda a categoria acima da dele, o sub-12.
Muitos me perguntam se a gente não esquece que, por trás do uniforme e das luvas, ainda existe uma criança de dez anos. Que a infância é curta, passa rápido e precisa ser protegida a todo custo. Um amigo me disse no fim de semana:
— Eu já fui um bom atleta, mas no futebol. Lembro dessas cobranças. Será que não é exagero?
Sim, às vezes é. E eu já vi isso acontecer aqui em casa.
Há alguns meses, percebi que algo estava errado. De repente, a seriedade de um adulto tinha tomado conta do meu filho. O beisebol, o xadrez, o inglês e até as brincadeiras no recreio (queimada, jogo do quadrado, volei) viraram disputas acirradas, cheias de discussões e brigas. Semana sim, semana não, chegava um recado da escola avisando que Nico e os amigos perderam o direito de jogar qualquer coisa com bola por causa de discussão. Em casa, qualquer partida de tabuleiro, futebol ou cartas terminava em estresse. Um alerta soou na minha cabeça: algo não estava certo.
Curiosamente, mais tarde descobri que o que aconteceu com o Nico não é raro e tem nome: chama-se Síndrome do Mini-Atleta. Crianças que se dedicam demais acabam levando a seriedade do campo pro recreio. E é justamente o brincar que reequilibra tudo. Psicólogos do esporte chamam a solução que encontramos sem querer de multi-esporte: a mistura entre esforço e prazer que protege o atleta da cobrança excessiva e mantém viva a alegria do jogo.
No fundo, o que o basquete fez foi devolver à infância o direito de existir e proteger uma das maiores paixões que ele tem: o beisebol. Ah, eu ainda recebo recados da escola, mas agora é por causa das brincadeiras e não mais das confusões.
A alegria voltou, dentro e fora do campo
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