O Superpoder da Presença

A lição invisível que só descobri porque não deixei de estar presente durante esses 3 anos de arquibancada

Flavia Cabral

9/26/20253 min read

Nico e Paulinho em campo, Nico de short stop e Paulinho de arremessador

No campo, dois mundos coexistem, separados por um punhado de metros e um universo de percepções.

Para Paulinho, colega do time do meu filho, quando está no montinho de arremesso, o mundo encolhe até caber em quatro pontos: a luva do catcher, a bola na sua mão, o taco apoiado no ombro do rebatedor e o silêncio. Um silêncio denso, pesado, onde só a própria respiração existe. “Não ouço nada, tia”, ele diz.

Para Nico, meu filho, de short stop, o mundo explode. Cada som é um fio que se entrelaça no jogo: a risada de um pai na primeira fileira, o grito agudo de uma irmã mais nova, o “vamos, time!” que viaja com o vento. “Mãe, eu ouço tudo.” E de pitcher? “Ah, de arremessador eu também não ouço nada, como o Paulinho.”

No último campeonato, a arquibancada era uma festa. Cantávamos e ríamos, fazendo uma piada interna sobre como Paulinho se parece com um personagem de K-pop Demon Hunters. Ele nos disse que não ouviu nada. Mas Nico ouviu. E sorriu. Entre um passo e outro, a melodia da nossa bagunça se misturou ao seu foco. A concentração dele não era muralha; era uma casa de portas abertas, deixando a alegria entrar.

Porque tudo chega. Tudo o que se grita, se aplaude ou se lamenta atravessa o campo como uma flecha. As broncas queimam a pele: “De novo esse erro, menino?”; “Parece que nunca vai acertar!” E o incentivo floresce, regando sementes de confiança: “Vai lá, respira. A próxima é sua.”; “Estamos com você, não importa o placar.”

A arquibancada não é só barulho. É presença. É vento que empurra na corrida. É força invisível que diz que eles não jogam sozinhos. É a certeza de que, mesmo quando correm rápido demais para nos ver ali, carregam nosso olhar seguindo-os.

Toda a minha torcida é por eles

Torcer por um filho de 10, 12, 16 anos não é sobre celebrar vitórias. É testemunhar esforço. É sentir a grama nos joelhos deles, a ansiedade no estômago, a coragem em cada lance.

Eu e meu marido sempre estamos lá. Em todos os campeonatos, tenho o privilégio de poder fazer o necessário para ir. Desmarco reuniões, desisto de celebrações, acordo às quatro da manhã no sábado e no domingo, só para que meu filho saiba que, aconteça o que acontecer, uma parte de mim estará sentada naquela arquibancada. Já gritei muito; mas aprendi que, às vezes, os gritos viram pressão. Hoje minha voz é mais contida. Mas quando Nico está arremessando, o corpo não obedece e um sussurro alto escapa: “Confiaaa…”

É por estar lá que a observação se torna possível. Capto a frustração no ombro caído após um erro, a hesitação antes de uma jogada difícil, a coragem de mergulhar por uma bola impossível. E posso, em casa, orientar com mais proximidade e conhecimento de causa. Se eu soubesse das coisas apenas pelo que ele me conta no carro, eu só diria: “Legal, filho. Que bom que ganharam.” E perderia um universo imenso que existe em cada partida e que me permite me conectar ainda mais com ele. Estar ali é estar próximo mesmo quando eles parecem preferir estar distantes e cercados de amigos.

Eu vejo isso quase como um superpoder: a magia de ser adulta observando sua criança se movimentando no mundo. Você descobre atitudes, gestos, coragens, detalhes que só o olhar atento revela. E, assim, pode orientar, conversar, conectar quando eles voltam para você. Mas só se estiver ali. Só se prestar atenção. Por eu estar ali, eu posso falar: “Filho, eu sei que essa não é a sua posição preferida na defesa, mas eu tenho certeza que se o treinador te colocou ali, você entra lá e dá o seu melhor”. Ou: “Essa foi a melhor partida que eu já vi você fazer, como arremessador.”

Acho que, no fim, meu papel como mãe de atleta vai além de levar nos treinos, ouvir no carro e celebrar. É ser presença silenciosa e constante, sendo a certeza de que ele nunca estará sozinho e que a minha casa sempre estará aberta para o que ele precisar. Um elo de confiança invisível, construído do jeito mais simples — e mais difícil — de todos: estando lá.

Olhando, de longe, Nico vivendo o beisebol

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