Quando sonhar grande pesa e a infância precisa respirar

Quando a pressão quase apagou a alegria, ele me lembrou que ainda é uma criança — e que isso também é potência.

Flavia Cabral

7/7/20254 min read

A seletiva da Seleção Brasileira U10 de 2025 começa neste sábado, no Centro de Treinamento Yakult em Ibiúna. Nico quer tanto passar que, nas últimas semanas, acabou indo para um lugar diferente.

Ele sabe como vai ser — esteve lá no ano passado. São dois dias de avaliação em todos os momentos: no sábado, drills específicos, rebatidas e arremessos; no domingo, jogos. O resultado? Dezoito meninos e meninas serão selecionados para representar o Brasil no Pan-Americano U10 de Beisebol, na Venezuela.

A seletiva é um momento importante. Intenso, competitivo e inspirador. Um marco na trajetória de qualquer menino que ama esporte. E Nico quer muito estar entre esses nomes para levar o nome do Brasil na camisa. A expectativa e a autocobrança estão a mil.

O taco novo está na mochila — indo com ele em todos os lugares, dormindo ao lado dele algumas noites. Os treinos se acumulam pela vontade dele: os regulares e aqueles que ele pede ao Sensei para fazer a mais, por ele próprio achar que pode sempre ir além. Os números continuam bons, mas já com alguns reflexos do nervosismo. As posições mudam: pitcher, shortstop, terceira base, primeira base, rebatedor — ele segue como o time dele precisar.

Parece que tudo estava caminhando dentro do esperado. Mas alguma coisa não estava.

Ele vinha num clima pesado. No Campeonato Brasileiro de Presidente Prudente, ele sentiu demais. Jogos seguidos, olhares da arquibancada, autocobranças que não cabem num corpo de 10 anos. Nico é muito exigente consigo mesmo — não quer errar, quer fazer tudo certo e quer tanto alcançar a seleção.

Mas ele não estava conseguindo se controlar. Estava sempre irritado, gritando, chorando. E o nervosismo falou mais alto: em um único campeonato, ele levou mais strikeouts do que no ano inteiro. Ele não estava rendendo como queria — ele estava se cobrando demais. Estava perdendo o brilho de jogar. Todos víamos isso. Nós (seus pais), os pais dos amigos e os treinadores que sempre o acompanham.

E talvez por estar com a cabeça cheia, e com as vozes interiores falando alto, ele soltou neste fim de semana (pra nós e pros treinadores):

“Eu sou muito novo pra me preocupar com tanta coisa. Eu preciso me divertir jogando beisebol. Eu só tenho 10 anos, sou só uma criança. Eu vou pensar em jogar e só, porque é o que eu gosto tanto de fazer.”

Quem falou isso pra ele foi o Sensei Jhonathan — e ele se apropriou do discurso de um professor que o conhece desde os 7 anos de idade como se fosse ele que tivesse falado. Caiu uma lágrima do meu olho pela força daquela fala. Foi como se ele tirasse um peso enorme do peito e deixasse no chão. Um alívio que veio de dentro, mas também de fora — porque os outros falaram a mesma coisa:

“Nico, você sabe fazer. Agora precisa só jogar. Só isso. Não pensa em mais nada. Só pensa em jogar beisebol, em rebater a bola e jogar strike. Só.”

Respira fundo, filhão, que o que é seu está guardado

Nico não quer parar, nem desistir. Não quer deixar de ir na seletiva — apesar de ter pensado em desistir algumas vezes. Só quer lembrar por que começou. Porque no meio dos treinos técnicos, dos ajustes no swing, das métricas e das conversas de adulto, ele quase esqueceu o jogo dele. O campo, que sempre foi o lugar onde ele era leve e livre, virou uma panela de pressão. E a pressão, por mais que exista, não pode apagar a alegria de jogar.

Então, decidimos juntos depois de quase 2 meses de preparação: sim, vai ter treino nessa última semana de espera pra seletiva. Mas também vai ter férias. Vai ter colônia de férias com os amigos da escola, jogos de Uno, futebol e brincadeiras. Vai ter salgadinho, bolo, bolacha recheada. Vai ter tempo leve e riso solto — e tudo isso fora do beisebol também. Porque a seletiva é no sábado, mas as férias escolares já começaram. E ele, com seus 10 anos, quer e precisa brincar.

Sensei Fabrício, tentando acalmar a fera (Nico) durante o Acrilex

Nico e os amigos brincando nas férias passadas

Talvez a maior prova de maturidade que ele já deu até hoje tenha sido essa: lembrar a todos nós que ter 10 anos ainda é ser criança.

E a minha, como mãe, foi entender que esse é o caminho que seguiremos, custe o que custar. Porque ser criança e aproveitar a infância — que está quase acabando — é tão importante quanto tentar alcançar um sonho tão grande e de tamanha responsabilidade.

Estamos ansiosos pelos resultados, sim. Mas, independente do que vier, ele vai sair dessa seletiva maior do que entrou — mais leve, mais consciente e, principalmente, mais feliz por ter reencontrado o que o trouxe até aqui: o amor pelo beisebol.

Boa sorte a todos que estarão por lá e quem me ler, vem dar um abraço para vivermos mais essa etapa juntas, pelos nossos filhos.

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