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Como o esporte tem dado ao meu filho algo que nenhuma tela consegue
Flavia Cabral
12/15/20254 min read


Todos os times e crianças que participaram do último campeonato do Prézinho do ano, em Londrina
Nico na rebatida, talvez a segunda coisa que ele mais goste de fazer depois de arremessar
Hoje meu filho é um jogador de beisebol. Veste a camisa, assiste aos jogos, faz arremessos imaginários no mercado. Aos 10 anos, ele já tem uma identidade que não tem vergonha de mostrar.
Ele sempre está lá, mesmo nas férias. Nos treinos, nos campeonatos, nos jogos. Se você perguntar, geralmente a resposta é a mesma: Nico está no beisebol — treinando, brincando, ou só conversando.
Nico parece que joga, e joga mesmo. Muito. O corpo dele, apesar de ainda uma criança, começa a tomar forma de um atleta - ombros largos, pernas fortes. Muito diferente de quanto entrou.
E permanece por pertencer. Com técnicos que o ensinaram não só a rebater, mas a levantar depois de errar. Com os pais na arquibancada que torcem por todas as crianças, não só pelas suas. Com rotina pesada de treinos e campeonatos que dá estrutura, uma coisa tão importante da infância e para o ser humano. Ama o beisebol do fundo do coração e o time de Atibaia também. Tem um lugar onde ele é esperado. Onde gritam o nome dele da arquibancada. Onde os amigos o abraçam quando acerta e perguntam se ele está bem quando erra.
Nico continua por sonhar. Uma criança que faz esporte tem foco e um sonho mais palpável, mesmo que nem sempre consiga chegar lá no futuro. Hoje, quando você pergunta: "O que você quer ser quando crescer?", a resposta nunca é "não sei". É sempre: Quero jogar na MLB.
E assim ele fica. Não para competir, ser o melhor ou conseguir uma bolsa nos Estados Unidos. Ele fica porque tem um espaço seguro no mundo, um grupo que o acolhe, uma identidade que pode vestir com orgulho e uma vivência e memórias que se levam para o resto da vida.
O esporte permite o contato com os outros: outras idades, outras realidades, outros mundos....
Logo estaremos de volta, ao uniforme sujo que não tem molho que branqueie, a correria para chegar a tempo no treino, ao acordar às quatro da manhã sob protestos de cansaço, ao campo debaixo do sol. Só que agora, em outra categoria.
Foram três anos de Pré-Infantil. Mais de oitenta jogos disputados, 154 vezes no box de rebatida, 81 hits, 91 pontos impulsionados, 19 bases roubadas, 73 corridas anotadas - contando apenas os oficiais. Cada número conta uma história do quanto Nico cresceu, mas hoje o assunto é outro.
A criança, que também é atleta, perde algumas coisas.
Segunda passada, por exemplo, Nico acordou às 5h45 da manhã após chegar mais de meia noite da viagem para Londrina. No calendário escolar, era dia de comemorar o ano com o lançamento de foguetes, lanche comunitário e picolé. A vontade dele de ir nesse dia especial era maior que o cansaço. Mas Nico não tinha foguete. Quando os alunos fizeram, na sexta, ele estava no montinho arremessando e ajudando seu time Atibaia a chegar na chave principal do Campeonato Brasileiro Interclubes.
Já foram alguns aniversários, competições minhas, comemorações, reuniões que perdemos porque Nico tinha treino, campeonatos, amistosos — mesmo que a gente se esforce ao máximo para ele não perder essas experiências tão importantes na infância. E sabemos que ele sente.
Mas sabemos que ele também ganha.
O esporte, no fim, funciona como um antídoto contra a solidão que assombra tantas crianças hoje. Tira-os da tela, quando a maioria só pensa em meme e brainrot (não que ele não veja, mas quase não tem tempo). E faz com que eles fiquem na realidade, e prefiram o contato verdadeiro.
E mesmo que ele não vire jogador, mesmo que mude de ideia daqui a alguns anos, não importa. O que importa é que agora, neste momento da vida dele, ele tem uma resposta. Ele tem uma direção. Ele tem um time. Ele tem um sonho que persegue o ano todo, até nas férias.
O esporte dá isso. Tenho certeza. Cada vez mais.
As férias vão passar. Logo estaremos de volta ao campo, ao barulho da arquibancada, ao cheiro de protetor solar misturado com terra batida, ao despertador que toca antes do sol raiar. E quando voltarmos, sei que ele vai entrar naquele campo e sentir de novo: "Este é o meu lugar. Estas são as minhas pessoas."
Mesmo que, agora, o Prézinho tenha acabado. Seguimos para o Infantil, quase todos nós juntos. Dois já estão nos esperando. Um novo capítulo na história deste time começa. Como será? Ninguém sabe, nem como será, nem quem estará para eles. Só sabemos que a folha estará em branco para essa próxima história. Se for como no Prézinho, começamos entre os últimos colocados e fomos subindo até o quinto colocado geral.
Mas nada disso importa, porque o mais importante já aconteceu: meu filho encontrou um lugar para ser parte, estar presente, parecer pronto mesmo quando o coração acelera, permanecer firme, continuar tentando, ficar mesmo quando é difícil.
É assim que ele cresce: nesses verbos de ligação que ninguém o ensinou na lousa ainda, mas que o esporte ensina sem anunciar.




Acabou. Mais uma temporada de beisebol chega ao fim e agora estamos de férias. Podemos fazer tudo que as famílias normais fazem: acordar tarde nos fins de semana, tomar café da manhã na padaria, ficar na piscina boiando a tarde toda, ver um filme no cinema, jogar video game por horas (já que ele nunca consegue nos dias comuns)… As férias são uma bênção e permitem que uma criança que treina tanto quanto o Nico vire, novamente, só criança…


O time de Atibaia homenageando a Dona Maria e o Sensei Akiyama
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