Onde o amor pelo esporte encontra o olhar de mãe. Uma história nova a cada 15 dias.
Voar, voar, subir, subir…
Nem sempre a cabeça está boa. Às vezes, ela fica dividida entre vontades, ou entre dois lugares que parecem igualmente importantes. Imagina para uma criança de 10 anos…
Flavia Cabral
5/29/20253 min read
No último campeonato, o Nico estava dividido: presente, querendo jogar mais um campeonato (será que já é o décimo do ano?), mas pensando na festa de aniversário do amigo da escola, que aconteceria na noite de sábado e no domingo inteiro. Sabe aquela coisa: sei que o time conta comigo, mas preferia estar brincando de pegar com meus amigos, sem nenhum compromisso?
O desempenho? Mediano. Disperso, desconcentrado — chegou até a fazer desenhos com o pé no chão, como no T-Ball. E os números refletiam isso: modestos. Passou pela vitória do primeiro jogo sem grande participação, nem na defesa, nem no ataque. Nada — absolutamente nada — indicava que viria algo grande.
Mas o beisebol é assim. Surpreende a gente. E, às vezes, joga umas verdades direto na cara da mãe.
No segundo jogo do dia, enfrentávamos um time que já tinha vencido os dois confrontos anteriores do ano: o Tozan. Um time com um técnico cubano que transformou um dos últimos times da liga em um dos quatro da Chave Ouro, em pouquíssimos meses — alternando com Curitiba, Gigantes ou Gecebs.
(Os campeonatos de beisebol no Brasil funcionam assim: no sábado, você joga a fase de grupos classificatória. Geralmente são 3 ou 4 times por grupo. O primeiro do grupo fica na Chave Ouro, composta sempre por 4 times, e tem a chance de concorrer às primeiras posições do campeonato.)
Era o quinto inning e, no montinho, um pitcher promissor que lança bolas bonitas e strikes certeiros. Yago e Vinícius já tinham alcançado as bases e ocupado a terceira e a segunda, respectivamente, com walks. Era a vez do quarto batedor do line-up: Nicola Cabral.
Antes de entrar, eu tinha pedido a ele um pouco mais de concentração, porque eu sabia que essa era a primeira chance real do time chegar à Chave Ouro. Tivemos muita sorte na fase de grupos e não caímos com nenhum dos dois times mais fortes da liga. Ele me olhou, respirou fundo e disse, com firmeza:
“Eu vou bater um hit agora.”
E lá foi ele. O pitcher começou, mas a contagem foi ficando tensa: duas bolas, dois strikes girados no vazio. Três foul balls. Então, veio uma bola fora da zona — bem à direita — e o juiz deu o ball. A vantagem do pitcher se desfez. As torcidas começaram a gritar:
“Vai bater! Vai andar! Vai comer (sanshin)!”
Nico girou o bastão fora do home para aquecer e se posicionou como sempre faz. Concentrado. Confiante. E o pitcher mandou aquele strike lindo, bem no meio. Nico girou e:
Tuuuummmm.
O barulho da bola no bastão foi seco, certeiro. E, por um segundo, tudo parou: o tempo, a respiração, todos os olhares… A bola subiu, longa, limpa, direta — e foi embora, bem acima dos jardineiros esquerdo e central.
Era um home run. O único do campeonato que passou por cima do muro. O primeiro da vida dele.
A explosão foi geral. Técnicos pulando, atletas gritando, torcedores de pé. Os managers se abraçando. E até o time adversário se emocionou. Porque alguns deles nunca tinham visto um menino bater um home run de verdade.
A bolinha foi parar lá no estacionamento. E o Nico… bom, o Nico correu todas as bases com um sorriso que parecia maior que ele — e caiu nos braços dos companheiros de time. Sabia que tinha feito história. E estava orgulhoso. Muito. O jogo terminou 12x1, com 5 corridas só naquele inning (3 empurradas pelo HR). E garantimos a tão sonhada vaga na Chave Ouro.
A festa do amigo tinha ficado para trás, só na vontade. No lugar dos brigadeiros, das brincadeiras e da piscina com os amigos, veio o Troféu de Rei do Quadrangular. Uma escolha que parece fácil agora, já sabendo o resultado. Mas, no dia, foi uma daquelas decisões que só o esporte ensina cedo: abrir mão de momentos doces da infância pela responsabilidade de ter pessoas contando com você.



No fim, crescer é isso: fazer escolhas responsáveis, sem ter certeza do resultado, mesmo quando a gente só quer descansar e se divertir. E o beisebol — assim como a vida — é feito de escolhas e momentos. Quando o momento do Nico chegou, ele escolheu. E estava pronto. Firme. Presente. Gigante.
São essas coisas que eu gosto muito do esporte e vão moldando não só o jogador, mas o menino. Naquele dia, mesmo eu duvidando, ele mostrou que, além de uma excelente técnica construída com dedicação e esforço, está disposto a abrir mão de muita coisa para voar longe.
Como aquela bola.


Veja o Home Run na íntegra
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